terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Obediência



Imagine que você é voluntário para um experimento científico. Quando você chega ao laboratório descobre que os pesquisadores querem que você mate uma pessoa. Você protesta, mas os cientistas são categóricos “O experimento requer que você faça isso”. Você concordaria e mataria a pessoa?

Quando perguntados sobre o que fariam em uma situação semelhante quase todos respondem prontamente que obviamente se recusariam a cometer o assassinato. Mas o famoso Experimento da Obediência de Stanley Milgram, conduzido na universidade de Yale na década de 60, revelou que essas pessoas estão erradas. Se o pedido for feito de maneira adequada, quase todos nós cederíamos e nos tornaríamos assassinos obedientes.

Milgram disse aos voluntários que eles faziam parte de um experimento para determinar o efeito da punição no aprendizado. Um dos voluntários (que era na verdade um ator em cooperação com Milgram) faria o papel do Aprendiz e tentaria memorizar uma série de palavras. Os outros voluntários (os voluntários reais) acompanhariam a leitura com um gabarito e dariam uma descarga elétrica no argüido a cada vez que ele errasse. A cada resposta errada os choques aumentavam 15 volts de potência.

O experimento começava. O aprendiz errava propositalmente e logo a potência do choque chegava a 120 volts. Nessa altura o aprendiz começava a chorar e a reclamar da dor. Em 150 volts o aprendiz começava a gritar de dor e a implorar pra que o deixassem sair. É claro que era tudo atuação, mas os voluntários, que nada sabiam, começaram a hesitar e perguntaram aos pesquisadores o que deveriam fazer. A resposta era sempre a mesma “O experimento requer que você continue”.

Milgram não tinha nenhum interesse nos efeitos da punição no aprendizado. O que ele queria na verdade era saber quanto tempo as pessoas demorariam para se recusar a apertar o botão de choque. Será que permaneceriam obedientes à autoridade dos pesquisadores a ponto de matar alguém?

Para a surpresa de Milgram, mesmo podendo ouvir os gritos agonizantes do aprendiz que vinha da sala ao lado, dois terços dos voluntários continuaram a pressionar o botão até atingir a potência máxima de 450 volts, quando o aprendiz caiu em um silencio assustador, aparentemente morto.

Alguns dos voluntários tremiam e suavam, enquanto alguns riam histericamente, mas continuaram a apertar o botão. Mais perturbador ainda: quando os voluntários não podiam ver nem ouvir o aprendiz a cooperação era de quase 100%. O que os olhos não vêem o coração não sente, afinal.

Posteriormente Milgram comentou “Eu diria, com base em milhares de pessoas que observei durante os experimentos e na minha própria intuição, que se um sistema de campos de extermínio como os da Alemanha nazista fosse implantando nos Estados Unidos, seria possível encontrar trabalhadores e encarregados pelo seu funcionamento em qualquer cidade de médio porte do país”.

Quando Stanley Milgram publicou os resultados de seu experimento da obediência em 1963, a comunidade científica ficou abalada. Alguns pesquisadores acharam difícil acreditar que as pessoas pudessem ser tão facilmente manipuladas e iniciaram uma busca por algum erro de julgamento que Milgram possa ter cometido.

Charles Sheridan e Richard King teorizaram que talvez os voluntários estivessem colaborando por terem percebido que tratava-se de uma encenação. Para testar essa possibilidade os dois pesquisadores resolveram refazer o experimento original adicionando um novo elemento. Ao invés de usar um ator eles usariam uma vítima real que seria eletrocutada de verdade. Obviamente a experiência não poderia ser feita com uma pessoa, então eles decidiram utilizar um filhotinho.

Sheridan e King disseram aos voluntários – estudantes de um curso de psicologia – que o cachorro estava sendo treinado para distinguir entre uma luz forte e uma fraca. Ele teria que se posicionar à esquerda ou à direita dependendo do tipo de luz. Se ele se posicionasse de maneira errada o voluntário teria que pressionar o botão para dar o choque. Assim como no experimento de Milgram o choque aumentava em 15 volts a cada resposta incorreta, mas dessa vez o filhote realmente recebia o choque.

À medida que a voltagem aumentava o filhote começava a latir, depois a pular inquieto e, finalmente, a uivar em dor. Os voluntários ficaram aterrorizados. Andavam pra frente e para trás, ofegando e gesticulando com as mãos para tentar mostrar ao cachorro onde ele deveria se posicionar. Muitos choraram. Ainda assim a grande maioria, 20 dos 26 voluntários, continuaram a pressionar o botão até a voltagem máxima.

Curiosamente todos os seis estudantes que se recusaram a pressionar o botão eram homens. Todas as treze mulheres a participar do experimento obedeceram prontamente até o fim.


Leia mais outros experimentos bizarros aqui.

Publicado em 30 de agosto de 2009, traduzido de Elephants on Acid, de Alex Boese, em Ceticismo Aberto.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Existência?



Ah o universo, que belo lugar para se morar! Hoje eu estava voltando da faculdade de carona. Ainda que não fosse o tópico principal da conversa, deparamo-nos com um problema do senso comum: tudo que houve no passado aconteceu para que nós, nesse momento, estivéssemos aqui, exercendo a difícil tarefa de existir, indo para casa numa noite de segunda-feira.

A primeira vista o pensamento está corretíssimo, mas não é bem o que acontece, é um erro comum da lógica e da percepção humana, que é falha, e leva a crença de que existe um destino, ou um desígnio para nossa vida e para o que nós fazemos. Você pode acreditar na primeira premissa e negar a segunda, mas é verdade que a maioria das pessoas acredita em destino por essa falha lógica.

Esse pensamento, na física, é muito bem relacionado com o Princípio Antrópico, que "estabelece que qualquer teoria válida sobre o universo tem que ser consistente com a existência do ser humano". Em outras palavras, quer dizer que o universo evoluiu de tal forma para nos conter, como se por um desígnio, desde o início, objetivara nos criar.

Ou seja, digamos que, desde o início a gravidade fosse ajustada para +1% do valor que se têm hoje. Nada existiria como conhecemos hoje. Galáxias não se formariam, e muito menos seres conscientes capazes de formular equações que explicassem o universo.

"Obrigado, seja lá quem for, por ter feito tudo para que eu nascesse e existisse!" você pode pensar, mas isso é irrelevante. Certo, nada errado com o Princípio Antrópico ou o pensamento de que cada mais vã coincidência no mundo me originou, os dois são verdade até certo ponto, mas jamais o são quando postulam que são verdade PARA QUE nós existíssemos.

Com certeza você conhece minha amiga Ana. Não? Exatamente, você não pode conhecer alguém que não existe. A ideia de inexistência é complicada de entender, tanto que nossa mente não está preparada para essa informação. A minha amiga Ana existe enquanto ideia. No momento em que eu falo para você pensar em alguém inexistente, se você pensar em alguém, esse alguém passará a ser uma ideia, e portanto, uma ideia existente.

Quando alguém propõe para que pensemos na nossa própria inexistência, aí que a coisa complica. E é exatamente isso que aqueles dois pensamentos propõem. Qualquer viagem imaginativa que nos faça pensar em qualquer motivo para que não existíssemos é irrelevante, apenas pelo motivo de que SIM, estamos aqui. Existo não porque tudo aquilo aconteceu, mas existo simplesmente por existir. Se eu não existisse, não pensaria em motivos para invalidar minha inexistência. Se existo, pensar na inexistência levaria à premissa anterior. Logo, pensar na inexistência ante à existência é irrelevante.

Mas afinal, tudo é irrelevante mesmo...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Na realidade...



Diz-se ilusão de ótica "todas ilusões que 'enganam' o sistema visual humano fazendo-nos ver qualquer coisa que não está presente ou fazendo-nos vê-la de um modo errôneo." Veja então essa imagem acima. De longe você consegue ver algo que de perto toma uma outra configuração. O que antes era um velho, torna-se um conjunto de personagens e situações que parecem mais complexas, mais detalhadas.

Isso ocorre pelo fato de que o cérebro humano não é perfeito, ele tenta atribuir características às imagens que, na verdade, não existem, a fim de completar uma informação importante para nós. Teve, claro, um papel fundamental na evolução humana. Por exemplo, imagine que você está caçando patos com seu colega. Você se distancia, ouve um tiro, depois um pato cai em agonia do céu, a poucos metros de você. É natural que você ligue as duas informações e chegue à conclusão de que o pato foi assassinado por seu colega, mesmo que ele possa ter morrido de várias outras maneiras depois que seu colega, acidentalmente, atirou para o alto.

Chama-se "post hoc, ergo propter hoc" o tipo de argumento falacioso que tenta conectar duas informações distintas, apenas pelo fato de uma ser posterior à outra. Um exemplo prático é o argumento postulado por S. Morris Engel, em seu livro With a Good Reason:

"Hoje, mais que nunca, mais e mais jovens estão entrando no Ensino Médio e Faculdades. Ainda assim, a deliquência juvenil e a alienação moral só cresceu para os jovens. Isso deixa claro que esses jovens estão sendo corrompidos de sua educação."

É lógico que esse argumento não é verdadeiro. Não foi somente a educação que cresceu nos últimos anos. Posso elaborar um igual estudo ligando a mesma deliquência e corrupção moral ao crescimento socio-econômico e dizer que os jovens, e.g., roubam mais se lhes é dada uma maior justiça socio-econômica, o que não é só equivocado, mas oposta, logicamente, ao pensamento real.

Mas, no que tal argumento falacioso tem relação com as ilusões de ótica enunciadas anteriormente? Simples, o nosso cérebro irá sempre tomar "decisões" que nos fazem pensar em situações que parecem lógicas, mas na verdade não são. Era comum achar, antigamente, que o pensamento puro era a resposta para todos nossos problemas. Se nossa emoção confunde a realidade, deveríamos somente pensar logicamente para termos as decisões mais "certas" e confiáveis.

A questão, como você viu, é que até a lógica pura é influenciada pelas sensações, de forma que o cérebro evoluiu para encontrar uma resposta em tudo, ainda que isso não seja possível, ou que a resposta contrarie nossa intuição. Nunca saberemos até que ponto nossa realidade é influenciada pelas nossas intuições, mas tudo leva a crer que é muito mais que imaginávamos antes. Não que isso seja ruim, se evoluímos assim, é porque talvez não saberíamos lidar com o peso da realidade.